“O urbanista ipiauense, arquiteto Elson Andrade, nos traz, nesta edição, uma análise e proposta para melhor equacionar a injustiça na distribuição dos recursos financeiros dos royalties da mineração (CFEM), a fim de conseguirmos os recursos necessários para a implantação do Anel Rodoviário – Desvio da BR 330. Confira!”
Os royalties da Compensação pela Exploração Mineral (CFEM) no estado da Bahia, em 2024, revelam uma persistente distribuição desigual dos recursos gerados pela mineração. Isso se reflete diretamente em municípios como Ipiaú, que, apesar de estar localizado em uma região vizinha à grande mina de níquel de Santa Rita, uma das maiores reservas de níquel do mundo, continua sem receber uma compensação proporcional aos diversos impactos que sofre com a atividade mineradora nas proximidades.”
A Distribuição da CFEM no Brasil
A tabela de Distribuição da CFEM no Brasil em 2024 mostra uma clara concentração de recursos nos estados mais ricos em reservas minerais, como Minas Gerais (MG) e Pará (PA), que juntos representam 87% da distribuição total do país. Minas Gerais, com 45% do recebimento, e Pará, com 42%, são os principais responsáveis pelo destino dos recursos, seguidos por estados com menos expressão mineradora, mas que ainda possuem atividades relevantes, como Goiás (GO) e Bahia (BA).
A Distribuição da CFEM na Bahia
No caso da Bahia, a situação é mais distribuída entre os municípios mineradores. Jacobina, por exemplo, lidera a distribuição com 21% do total estadual, devido à sua significativa produção de ouro, seguida por Itagibá com 13% e Jaguarari com 10%. Esses municípios são os maiores beneficiários da CFEM na Bahia, devido à intensidade da mineração em seus territórios, com destaque para a extração de ouro e bauxita.
Ipiaú e a “Desvantagem” de Estar Vizinha à Mina de Níquel
Ipiaú, cidade vizinha à mina de níquel de Santa Rita, uma das maiores do mundo, enfrenta uma situação peculiar. Embora esteja localizada ao lado de uma grande mina, o município afetado não recebe uma compensação devido ao impacto causado pela mineração lindeira. O níquel extraído de Santa Rita é um dos recursos mais estratégicos no Brasil, sendo fundamental para a indústria de baterias e outros setores de alta demanda. Contudo, Ipiaú, ao contrário de cidades como Itagibá, que se beneficiam diretamente da exploração mineral, não recebe recursos significativos da CFEM.
Em 2024, enquanto Itagibá arrecadou R$ 21.612.033,96 (13%) da CFEM baiana, Ipiaú não aparece entre os municípios beneficiados do estado, embora sofra os impactos da mineração em termos de infraestrutura degradada, poluição, saturação dos serviços públicos, impacto no trânsito, elevação do preço dos imóveis e aluguel, e outros efeitos ambientais. A proximidade da mina de níquel de Santa Rita deveria justificar uma compensação financeira justa e necessária, considerando os custos que o município enfrenta devido à atividade mineradora, como o aumento da pressão sobre os serviços públicos, o desgaste das infraestruturas rodoviária e urbana, e os possíveis danos ambientais que impactam diretamente a qualidade de vida da população local.
Outra característica econômica a ser apontada é que os melhores salários acabam ficando com profissionais mais qualificados, vindos de fora da região. Mais um grupo de forasteiros levando vantagem financeira em relação aos nativos/residentes.
A Distribuição Desigual da CFEM
A realidade de Ipiaú ilustra um problema sistêmico na distribuição da CFEM, que tende a beneficiar mais os municípios onde a mineração ocorre de maneira mais visível ou em maior escala, como Jacobina e Itagibá. Mesmo com a presença de grandes minas em cidades vizinhas, como no caso de Ipiaú, a compensação financeira não é proporcional ao impacto ou à proximidade das atividades mineradoras.
Essa desigualdade é refletida em todo o estado da Bahia, onde municípios como Jacobina e Itagibá recebem grandes quantias de CFEM devido à mineração de ouro e níquel, enquanto cidades vizinhas e menores, como Ipiaú, são deixadas de lado. A tabela de Distribuição da CFEM mostra claramente que Jacobina, com R$ 35.619.520,40 (21%), e Itagibá, com R$ 21.612.033,96 (13%), arrecadam montantes substancialmente maiores do que outros municípios, enquanto cidades próximas, como Ipiaú, não têm uma compensação proporcional ao impacto que enfrentam.
A Crítica à Falta de Equidade na Distribuição da CFEM
A discrepância entre os montantes arrecadados por municípios como Jacobina e Itagibá evidencia uma falha no modelo de distribuição da CFEM, que não leva em conta de forma justa o impacto local da mineração. A lei que regulamenta a CFEM tem como princípio compensar financeiramente os municípios afetados pela exploração mineral, mas a realidade é que a compensação nem sempre é proporcional à quantidade de impacto enfrentado. Municípios como Ipiaú acabam não sendo devidamente reconhecidos e compensados, apesar de estarem em áreas com significativa exploração mineral ao seu redor.
Enquanto Itagibá, com sua mineração de níquel, arrecadou somente em 2024 R$ 21.612.033,96, cidades vizinhas como Ipiaú, que suportam o peso da exploração do níquel em Santa Rita, continuam sem uma compensação justa. A falta de um critério mais sensível que leve em consideração não só a proximidade das minas, mas também os custos indiretos que os municípios menores enfrentam, como Ipiaú, resulta em uma distribuição desigual e injusta dos recursos da CFEM.
Por fim, é importante ressaltar que a situação de Ipiaú reflete uma falha crítica no sistema de distribuição da CFEM. Embora o município esteja localizado próximo a uma das maiores minas de níquel do Brasil, ele não recebe uma compensação proporcional ao impacto da mineração em sua região. A falta de uma compensação mais justa e equitativa para Ipiaú, especialmente quando comparado a municípios como Itagibá, demonstra como a CFEM pode, muitas vezes, beneficiar apenas as cidades diretamente envolvidas na extração de minerais, sem considerar adequadamente os impactos nos municípios vizinhos, que acabam arcando com os custos da mineração sem ter acesso a recursos proporcionais para mitigar esses danos. Essa desigualdade na distribuição da CFEM exige uma revisão do modelo de compensação para garantir que os municípios mais afetados pela mineração, como Ipiaú, recebam uma compensação justa e equilibrada.
Uma Proposta Ousada
Em primeiro lugar, o ministro Rui Costa, da Casa Civil, esse que se mostra tão próximo de políticos do município de Ipiaú, deveria deixar de lado o costumeiro artifício de peças de marketing político e se debruçar de fato sobre o caso concreto da injustiça financeira praticada contra Ipiaú, na tentativa de emitir um providencial decreto presidencial, tendo em vista a reclassificação de Ipiaú, à condição de município afetado.
Em segundo, por um acordo administrativo e logístico entre a Prefeitura de Ipiaú e a Atlantic Nickel, que poderia resultar na aquisição ou locação de uma área dentro do território de Ipiaú (devidamente aprovada previamente pela ANM) para ser utilizada como depósito de apoio ao transbordo do produto mineral, de modo que o município fosse classificado de forma inquestionável como município afetado, conforme a lei vigente, e assim, passasse a receber imediatamente sua cota-parte.
Quadro 1: Faturamento e Quantidade de Níquel Explorado em Itagibá-BA 2010-2024
Critérios da Distribuição da CFEM no Brasil
Os municípios impactados pela mineração passaram a receber recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), com a inclusão, pela primeira vez, de 4.902 entes locais que estão situados nas proximidades das áreas de mineração ou são diretamente afetados por sua atividade. Esta mudança é fruto da Lei 14.514/2022, que trouxe inovações importantes, incluindo a distribuição de recursos para municípios limítrofes aos produtores de minérios e outros municípios com características específicas. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) esteve fortemente envolvida nas ações para regulamentar essa medida, que resultaram no Decreto 11.659/2023 e na Resolução ANM 143/2023, que detalham como os recursos da CFEM serão distribuídos.
A Distribuição da CFEM é dividida da seguinte forma: 60% vai para os municípios produtores, 15% para o estado produtor, 15% para os municípios afetados e 10% para a União.
Além disso, em um segundo momento, esses 15% da Distribuição da CFEM são destinados aos municípios afetados pela mineração, conforme os seguintes critérios:
- 55% do total para os municípios que são cortados por infraestruturas ferroviárias usadas para o transporte de substâncias minerais. (Aqui já caberia Ipiaú, conforme a lei).
- 3% para os municípios afetados por infraestruturas para o transporte dutoviário de substâncias minerais.
- 7% para os municípios impactados por operações portuárias, como embarque e desembarque de minerais.
- 35% para os municípios onde estão localizadas as estruturas de mineração, como pilhas de estéreis e rejeitos, usinas de beneficiamento, bacias de rejeitos, entre outras instalações previstas no Plano de Aproveitamento Econômico aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). (Aqui também caberia Ipiaú, conforme a lei).
Quadro 2: Faturamento Anual de Níquel Explorado em Itagibá-BA 2010-2024
Quando essas condições não se aplicam, os recursos são destinados aos municípios limítrofes. A ANM, por meio da Resolução ANM 143/2023, detalhou as fórmulas de cálculo para a distribuição desses valores, que devem ser revisados anualmente, todo mês de maio, para ajustar os repasses conforme o impacto real da mineração no ano anterior.
A CNM informa que o valor da compensação é creditado mensalmente nas contas das prefeituras por meio do Banco do Brasil, em uma conta específica chamada CFEM. A aplicação dos recursos deve seguir os critérios estabelecidos pela Lei 7.990/1989, que determina que esses fundos devem ser usados prioritariamente para o pagamento de dívidas com a União e para despesas relacionadas à educação básica pública, especialmente no que se refere à manutenção e desenvolvimento de escolas em tempo integral. Além disso, esses recursos podem ser usados para melhorar a infraestrutura, a saúde e o meio ambiente da comunidade local. Como exemplo, poderiam financiar ao longo dos anos a viabilidade da implantação do Anel Rodoviário de Ipiaú (desvio da BR 330).
Quadro 3: Produção Anual de Níquel Explorado em Itagibá-BA 2010-2024
No entanto, municípios como Ipiaú, na Bahia, têm saído no prejuízo com a mineração lindeira, e se mostrado particularmente afetados pela atividade mineradora, já que estão localizados nas proximidades da mina de Santa Rita, que explora grandes volumes de níquel. Por exemplo, as famílias ipiauenses que, há anos, vêm pagando aluguel todo mês, escolas particulares, bens e serviços muito mais caros, devido às demandas extraordinárias na cidade causadas pela mineração.
Apesar de suportarem vários custos associados à mineração, como a deterioração das estradas, impacto ambiental e custos de vida, esses municípios não recebem uma compensação proporcional aos danos que enfrentam. Ipiaú, por exemplo, está mais próximo da mina do que a sede do município de Itagibá, mas muitas vezes os benefícios da compensação não chegam de maneira justa para as realidades locais, refletindo a disparidade entre os custos suportados e os recursos recebidos. A regulamentação da CFEM ainda precisa ser ajustada para garantir que municípios como Ipiaú, que estão em áreas críticas de exploração mineral, recebam a compensação adequada pela exploração dos recursos naturais em seu entorno.
Enquanto isso, continuamos sendo induzidos pela mídia e pelos políticos locais a “endeusar” Rui Costa, sua esposa e o grupo político parceiro deles, sem que estes tenham, de fato, demonstração real de sensibilidade e ação concreta, tendo em vista apresentar uma solução sanadora dos dramas financeiros que Ipiaú enfrenta por conta de todo esse imbróglio. Parece que a única reclassificação e sedimentação que conseguimos, vinda desses políticos, tem sido o complexo de vira-lata.
Abaixo, veja o quadro resumo da ANM, com o andamento dos pedidos de estudos e de novas lavras do níquel e de outros tantos minerais na região de Ipiaú, inclusive para extração de ouro. Você sabia?
Quadro 4: Pedido de Estudo e/ou de Lavra de Outros Minerais na Região de Ipiaú-BA
Nota: O site Ipiaú TV tem diversos outros artigos de foro regional que poderão trazer informações e debates de grande valia para a sua vida e/ou negócio. Não deixe de ler e compartilhar nossas publicações, acessando o site: https://ipiautv.com.br/category/olharurbano
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Da redação: Elson Andrade – que é arquiteto, urbanista, empresário desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.