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O urbanista ipiauense arq. Elson Andrade, nos traz nessa edição uma reflexão sobre o que vem a ser o clássico modus operandi do Clientelismo, uma velha e manjada prática ainda persistente em muitos municípios brasileiros, a luz do dia, em pleno século XXI, como forma de domínio político, perpetuação no poder e exploração econômica de um povo. Confira!
Reprodução: História em minutos – prof. Adriano
Não se trata de caso específico, o Clientelismo Político, é um modelo robusto antigo, largamente utilizado, já há bastante tempo consolidado como forma de dominação político-administrativa, ainda presente em muitos municípios brasileiros no século XXI, em plena luz do dia. Quanto menor e mais atrasado o mindset, quanto maior o grau de falsa esperteza individualista do seu povo, maior e mais arraigado se torna.

Apesar dos avanços sociais e do tratamento acadêmico do tema, e, do crescimento da consciência, a finória prática política continua enraizada em muitas localidades, perpetuando relações de dependência e favorecimento.
Historicamente, o clientelismo político se consolidou no Brasil desde a chegada dos primeiros exploradores portugueses, tornando-se parte da dinâmica de poder ao longo dos séculos. Embora o tema seja largamente discutido em faculdades e amplamente analisado em estudos acadêmicos, sua aplicação persiste de maneira finória, sistemática de forma escancarada e até descarada. Já não enxergam mais de tanto ver!
Geralmente municípios menores, onde a população tende a ser mais acomodada e menos astuta politicamente, são ambientes propícios para a manutenção desse sistema. A baixa maturidade política, falta e desprezo de ferramentas e prática de inteligência coletiva; em busca de cortar a fila do pão, em benefícios individuais fortalecem a lógica patrimonialista, favorecendo a apropriação perpétua dos recursos públicos por grupos específicos.
Não basta apenas entender esse mecanismo, é essencial fomentar uma sociedade mais consciente, resiliente coletivamente, e engajada de forma estruturada e pró ativa. Esta reflexão nos leva a questionar: – até quando o clientelismo seguirá como um elemento estruturante e prático da organização política nos pequenos municípios brasileiros?
Em muitas pequenas cidades brasileiras, o Clientelismo Político não é uma abstração acadêmica, mas uma dolorosa realidade. Um triste exemplo dessa dinâmica perversa se manifesta quando um novo governo municipal assume e, de forma cínica, trava a engrenagem dos serviços públicos essenciais. De repente, demite funcionário herdados, esconde vagas na creche, dificulta o acesso ao sepultamento dum parente, a tão esperada consulta médica, uma internação ou até mesmo a simples atualização de um cadastro em programas federais assistenciais — tudo isso passa a depender da intermediação de vereadores da base aliada. O que deveria ser um direito do cidadão se transforma em um favor político. Quando e onde, ainda tem aqueles políticos que fazem questão de esquentar o caso, e, fazem o necessitado percorrer uma verdadeira via sacra para conseguir o que em verdade deveria estar disponível a qualquer um cidadão, conforme a urgência, e/ou prioridade socioeconômica.
Essa estratégia não é aleatória; ela é parte de um ardiloso esquema de dominação. Ao centralizar o acesso aos serviços básicos, o grupo do governo municipal cria uma dependência artificial. O cidadão, desesperado por uma solução para suas necessidades mais urgentes, busca o vereador, que se apresenta como o “salvador”. A “gratidão”, transformada em voto, consolida o poder desse grupo político. Funciona com uma especial e dívida pessoal, aquilo que já foi custeado com recursos públicos.
Liberdade para Desviar, Restrição para Servir
Enquanto o povo padece na fila do favor, a gestão municipal busca uma “liberdade” preocupante na administração dos recursos públicos: A demanda por 100% de autonomia para remanejamento, extinção ou duplicação de verbas revela uma intenção clara – operar sem amarras, longe da transparência e do controle social. Essa flexibilidade excessiva é a brecha para desvios, superfaturamentos na surdina e o uso político dos cofres públicos, perpetuando o ciclo do clientelismo.
E como “ludibriar e acalentar” a população diante de tamanha manipulação? A resposta é previsível: festas populares com artistas de renome e cachês exorbitantes, negociados na surdina, sem licitação e sem a devida transparência. O espetáculo se torna o ópio do povo, desviando o olhar da cidade que se deteriora, da infraestrutura básica que colapsa e dos investimentos essenciais que nunca chegam. O dinheiro que deveria pavimentar ruas, construir postos de saúde ou equipar escolas, escoa em eventos que, no fundo, servem apenas como cortina de fumaça para a má gestão.

Para garantir que essa narrativa de distração e engano se espalhe, governantes de pequenos municípios frequentemente contratam, muitas vezes sem licitação, empresas de publicidade. São essas empresas que se encarregam de distribuir o “jabá” nas mídias locais, blogs de notícias e, crucialmente, através de “agentes 24h no Bolsa Zap” nas redes sociais. Esse exército digital impõe uma narrativa pesada e sufocante, seja com notícias falsas, ataques a opositores ou a glorificação incessante da gestão, mantendo a população imersa e bombardeada sob uma cortina de fumaça da distração política. Ou, a distrai com temas barca-furada como a luta por redução de tarifas de serviços públicos já concedidos e contratados, sem chance de reversão, senão via lentíssima Justiça.
Nos bastidores, longe dos olhos da população e dos holofotes, geralmente há pessoas no comando geral orquestrando tudo remotamente, de forma invisível (geralmente, de lá da capital). Esses “fantasmas” dão as ordens, recolhem e distribuem recursos de origem fraudulenta, mantendo a engrenagem do esquema sempre lubrificada e garantindo a perpetuação do clientelismo. Esse modelo, lamentavelmente, gera uma concentração de renda na mão de poucos, os quais fazem parte do esquema e se beneficiam diretamente da má gestão e do desvio de verbas.
A Essência do Poder: Câmara Municipal e Controle dos Recursos
Diante de um cenário como esse, torna-se crucial para esse tipo de grupo político ter a presidência e a maioria na Câmara Municipal. Afinal, a Câmara possui o poder-dever da fiscalização e aprovação das contas públicas. Com uma maioria aliada, o governo garante que suas manobras orçamentárias passem na surdina sem questionamentos, que a prestação de contas seja aprovada sem escrutínio real, e que eventuais irregularidades sejam ignoradas, blindando o esquema de qualquer responsabilização.
A Ilusão da Autossuficiência e o Falso Slogan do “Desenvolvimento”
A mentalidade do cidadão comum, muitas vezes, não compreende a verdadeira origem dos recursos que sustentam a prefeitura. Há uma percepção equivocada de que o dinheiro “surge” no caixa municipal do nada. No entanto, a realidade é que 8 em cada 10 pequenos municípios, cerca de 84% dos recursos das prefeituras brasileiras vêm de transferências de impostos federais e estaduais. Esses impostos, por sua vez, foram arrecadados “na fonte” sobre produtos e serviços que, em grande parte, são importados de fora da cidade. Isso significa que a arrecadação local é mínima, e a dependência das transferências externas é quase total. Esse derrame de dinheiro vindo de Brasília é essencialmente o que faz com que muitos, especialmente na Bahia, não se incomodem com a farra dos altíssimos cachês nas festas juninas.
O pensamento que prevalece é:
“Se o carnê do IPTU que a prefeitura me manda eu não pago; se nem declaração de imposto de renda eu faço; se não vou no banco pagar nenhum imposto… Se a prefeitura economizar, não vai vir nada no meu bolso. Então, pra mim é vantagem ter os melhores e mais caros artistas na festa Junina da minha cidade. Eu não vou ter outra oportunidade de ir de ‘graça’ num show desse porte mesmo.” É essa lógica que permite e até faz com que se ache bom ter festas caras com artistas celebridades, mesmo que a cidade padeça.
Enquanto isso, a cidade “apodrece sem infraestrutura básica e investimentos no real desenvolvimento”. O termo “desenvolvimento”, aliás, é usado apenas como um slogan de marketing vazio. A verdade é que o verdadeiro desenvolvimento econômico — aquele que gera empregos, atrai empresas, capacita a mão de obra local e diversifica a economia — poderia, ironicamente, abalar esse esquema de poder. Um povo economicamente independente é um povo menos vulnerável ao clientelismo, menos suscetível aos favores em troca de seu apoio.
Esse círculo vicioso, onde o Estado se transforma em ferramenta de barganha política, é um dos maiores desafios à democracia e ao progresso objetivo local. O clientelismo não apenas desvia recursos e fragiliza as instituições, mas também perpetua a desigualdade e mina a confiança dos cidadãos em seus representantes. É um sistema que se retroalimenta da vulnerabilidade social e da falta de acesso a direitos básicos, transformando o que deveria ser público em moeda de troca para o poder.
Como podemos, enquanto sociedade, desmascarar e combater esse modelo que aprisiona o desenvolvimento e a autonomia de nossos municípios?
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Da redação: Elson Andrade – que é arquiteto, urbanista, empresário desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.