
O ano é 2070. No fundo da sala, estão poucos representantes dos 32 milhões de crianças e jovens com até 20 anos. O restante do plenário é ocupado por representantes dos mais de 75 milhões de idosos, que então correspondem a 40% da população. Todos pressionam pela aprovação do orçamento. Cada real a mais é uma questão de sobrevivência. Um detalhe: criança não vota.
Enquanto isso, nossos governantes continuam ignorando a transição demográfica e seus desafios monumentais. O Plano Nacional de Educação (PNE) é um exemplo gritante dessa desconexão. Suas metas desconsideram os dados demográficos e, quanto mais são perseguidas, mais o país se distancia da realidade orçamentária que se impõe.

Em 2025, somos 213 milhões de brasileiros: 56 milhões com até 20 anos e 35 milhões com mais de 60. Em 2050, a população total sobe para 218 milhões, mas o número de jovens cai para 40 milhões, enquanto os idosos aumentam para 65 milhões. Já em 2070, a população encolhe para 200 milhões, dos quais apenas 32 milhões têm até 20 anos — e mais de 75 milhões são idosos, sendo 48 milhões com mais de 70 anos de idade. Entre 2030 e 2040, a proporção entre jovens e idosos se inverte definitivamente.
Essa nova realidade exige um redesenho drástico dos orçamentos de educação, saúde e previdência — sem falar em habitação e mobilidade urbana. A produtividade também será posta à prova: cada trabalhador precisará sustentar sua própria renda, a aposentadoria de um idoso e ainda confiar que as próximas gerações serão produtivas o bastante para manter esse ciclo. Estamos muito além da antiga razão de dependência previdenciária — três trabalhadores para cada aposentado. As consequências da improvidência já chegaram.
Na virada para o século 21, desperdiçamos a chance de consertar a educação. Persistimos no erro de expandir vagas sem melhorar a qualidade. Mais professores, mais matrículas, mais gastos — e pouca aprendizagem. Nem os grupos de pressão nem os legisladores parecem atentos. Em breve, os idosos dominarão as urnas e lotarão o Congresso, exigindo o básico para sobreviver.
Um debate racional sobre o impacto demográfico nos orçamentos levaria a duas conclusões preliminares. Primeiro, é urgente desvincular os gastos da Constituição, permitindo e estimulando uma alocação de recursos mais eficiente. Vinculações criam previsibilidade e segurança, mas também geram privilégios e rigidez orçamentária. Manter essas amarras diante da redução da oferta de estudantes significa aumentar, automaticamente, a proporção de recursos destinados a um setor em detrimento de outro — alimentando a guerra de gerações.
Segundo, é preciso repensar a organização da educação pública. Com menos alunos, as redes estaduais já perderam sua razão de existir e, a cada dia, tornam-se mais pulverizadas e ineficientes. Há décadas, muitos municípios já não têm estudantes suficientes para manter escolas viáveis — e isso só tende a piorar. Em duas décadas, as atuais vagas nas universidades públicas conseguirão absorver cerca de 30% de todos os egressos do ensino médio — nível próximo ao de países desenvolvidos.
Ao mesmo tempo, como já se observa hoje, o setor produtivo precisará de trabalhadores altamente qualificados para gerar riqueza e excedentes que sustentem os aposentados. Mas o número desses profissionais tende a diminuir, como já é visível em setores tecnologicamente avançados, como o agronegócio.
Os grupos que hoje pressionam o Congresso Nacional ignoram os dados e insistem em um Plano Nacional de Educação (PNE) inviável e perdulário, além de defender um Sistema Nacional de Educação que, na prática, funciona como um mecanismo de patrulhamento orçamentário. Enquanto isso, a população jovem encolhe e a idosa cresce.
E qual o impacto disso na educação? No limite, bastariam apenas 2.500 escolas com 1.000 alunos para atender uma população de 25 milhões de estudantes. Hoje, para menos de 40 milhões de alunos, existem mais de 200 mil escolas. A rede privada existente em 2025 poderia absorver um quarto dessa demanda — e, se a rede pública não mudar sua qualidade, é provável que a tendência seja a expansão e consolidação da rede privada.
Quanto aos professores, a rede pública emprega hoje 1,86 milhão de docentes, enquanto a privada conta com 557 mil. Com a redução da população estudantil, precisaremos de apenas 1 milhão de professores — pouco mais da metade do atual quadro. É preciso flexibilizar as regras de contratação para adequá-las à nova realidade demográfica.
A saúde, por sua vez, enfrentará pressões insustentáveis. Os gastos médicos de um idoso são, em média, seis vezes superiores aos de um jovem. Em 2006, os gastos do governo com saúde foram de R$ 1.284 por criança e R$ 7.640 por idoso. Em 2023, 70% dos idosos consideravam suas aposentadorias insuficientes, mesmo priorizando gastos com saúde e alimentação. Viver mais pode significar melhor qualidade de vida, mas também tratamentos mais caros e especializados.
E o sistema previdenciário? Em 2050, haverá 65 milhões de idosos e 100 milhões de trabalhadores. A conta não fecha.
A transição demográfica deveria ter sido integrada às políticas públicas há décadas. Não foi. Quanto mais tempo o país demorar para agir, maiores serão os danos para todos. As crianças de hoje serão os adultos que pagarão a conta dos idosos amanhã — e dificilmente terão quem pague a sua.