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Na pacata cidade de Taperoá, o padre Zezinho resolveu que era hora de reformar a igreja, pois, naquele ano, haveria a eleição de uma “nova padroeira” para a cidade. O orçamento inicial: R$ 193 mil. E na conta da igreja, nada menos que R$ 27 mil. Adicione a isso um cheque especial com limite de R$ 20 mil. Ou seria R$ 25 mil? Não sabemos. O certo é que ali havia uma matemática que só São Salunguinho poderia explicar.
Com o início da obra, as fofocas na comunidade se espalharam mais rápido que bênção em sexta-feira de pagamento. O burburinho chegou aos ouvidos do bispo, que decidiu fazer uma visita surpresa para apurar tudo.
— “Padre Zezinho, dizem as más línguas que o senhor anda gastando demais na reforma da igreja. Vamos conferir essas contas, macho!”
Padre Zezinho, com seu sorriso maroto, levou o bispo até a sala da secretaria e já foi oferecendo um cafezinho.
— “Pois bem, vamos lá, bispo. O custo inicial era R$ 193 mil, mas as despesas foram um pouco… digamos, abençoadas. Gastamos R$ 229 mil ao final, ok?”
O bispo, espantado, arregalou os olhos:
— “R$ 229 mil? Mas, padre, a igreja tinha só R$ 27 mil na conta! E um cheque especial de R$ 20 mil… digo, digo, de R$ 25 mil! Como pagaram isso? Além disso, o senhor sabe, né? A lavadeira deixou no bolso da calça R$ 41 mil, que a máquina de lavar grampeou!”
A secretária, com a calma de um anjo, respondeu ao bispo:
— “Não se preocupe, bispo. Os R$ 229 mil foram pagos. Estamos sem dívidas, tudo dentro do limite do tolerável!”
Então, voltou-se para o ajudante de ordens e cochichou:
— “Já imaginou se ele descobre que esse orçamento já foi de R$ 257 mil, R$ 248 mil, R$ 244 mil?”
O bispo coçou a cabeça, olhando as contas, tentando encontrar o déficit esperado. Mas, no final, a dúvida pairava:
— “Então, padre Zezinho… houve ou não um déficit na reforma?”
Padre Zezinho, com seu sorriso amarelo de fumante, já saindo pela porta, respondeu:
— “Bispo, se foi milagre ou matemática divina, só Deus sabe. E o povo, que é sábio, que julgue.”
E assim, a reforma da igreja de Taperoá virou lenda, e a pergunta ecoa até hoje: houve ou não um déficit?
Moral da história: o dinheiro pode até ser matemático, contábil, financeiro e complicado, mas a conta moral… essa é subjetiva. Cada um julga com sua própria régua, proferiu o bispo.
Daí restou a pergunta: nesse negócio-reforma, houve ou não déficit?
Como na sociedade moderna tudo, no fundo, é movido pela usura do dinheiro, a literatura de cordel não perdeu tempo e já corria solta na porta da igreja para lucrar. E seu Pretinho, filho do vaqueiro e da vaca Mimosa, vendia os livretos.
Vejam abaixo a arte do sertão:
Literatura de Cordel ao Estilo Ariano Suassuna
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Em Taperoá, na praça,
Num sol quente de rachar,
O bispo veio chegando
Pra obra fiscalizar.
O vigário, meio tenso,
Foi correndo lhe explicar.
“Ó, meu santo e bom vigário,
Venho aqui para fechar
As contas desta capela,
Que o senhor mandou alçar.
Foi cento e noventa e três mil que combinamos,
Quero agora conferir!”
O vigário coçou a testa,
Respirou, foi prosear:
“Pois bem, veja aqui as contas,
Que eu vou lhe detalhar:
Foi cem mil do combinado,
Mas tive mais que gastar!”
O bispo, muito sisudo,
Já pegou seu caderninho:
“Padre, fale com verdade,
Diga logo, tim-tim por tim-tim!”
O vigário suspirou fundo:
“Vou lhe contar direitinho!”
“Vinte sete mil eu já guardava,
Do dízimo do ano antigo.
Quando a obra começou,
Esse fundo foi comido.
Mas no fim da construção,
Gastei além do previsto!”
“Ora veja, bispo santo,
Duzentos e vinte e nove foi o total!
Mas só recebi os cem,
Do acerto original.
Agora lhe pergunto,
Isso é déficit ou não, afinal?”
O bispo enrugou a testa,
Fez a conta em pensamento.
Coçou o queixo, rezou um pouco,
E, depois de um momento,
Disse: “O saldo tá confuso,
Preciso de entendimento!”
“Se olhar só o combinado,
Tá correto, equilibrado?
Mas se ver o que gastou,
Ficou fundo estourado!
Diga aí, meu “bom vigário”,
Isso é lucro ou prejuízo?”