A flexibilização das regras de terceirização no Brasil, introduzida durante o polêmico governo de Michel Temer por meio da Lei nº 13.429/2017 e da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), promoveu mudanças profundas no mercado de trabalho, incluindo o setor público. Essas alterações possibilitaram a ampliação da terceirização, permitindo sua aplicação não apenas em atividades-meio, mas também em atividades-fim, conferindo maior liberdade aos órgãos públicos para contratar empresas terceirizadas.
Embora essa maior flexibilização tenha sido vista por alguns como uma medida para aumentar a eficiência e reduzir custos, ela também gerou preocupações relevantes. Entre elas, destacam-se os riscos associados à má gestão, à precarização das condições de trabalho e à fiscalização inadequada, que podem comprometer a qualidade dos serviços prestados e os direitos dos trabalhadores terceirizados.
A Situação da Terceirização na Prefeitura Municipal de Ipiaú-BA
A realidade da Prefeitura Municipal de Ipiaú-BA exemplifica os desafios impostos pelo novo contexto da terceirização no setor público. Mesmo contando com um quadro interno de 1.439 servidores, a prefeitura contratou mais 486 trabalhadores terceirizados para 2024, distribuídos em apenas três contratos principais com as empresas que figuram como as maiores fornecedoras de mão de obra para o governo da prefeita Maria. Esse cenário levanta sérias dúvidas quanto à real necessidade dessa terceirização em larga escala, além de questionamentos sobre a qualidade, a quantidade efetivamente disponibilizada e a proporcionalidade, sem falar na falta de controle eficiente sobre tais contratos.
Terceirização e os Impactos no Serviço Público
As mudanças trazidas pelo governo Temer, por meio da flexibilização das regras de terceirização, facilitaram o acesso de prefeituras e outros órgãos públicos a essa prática como forma de atender a demandas frequentemente questionáveis. Em teoria, essa maior flexibilidade poderia trazer ganhos em eficiência e agilidade na gestão de pessoal. No entanto, a experiência prática tem revelado impactos negativos que merecem atenção:
- Substituição de concursos públicos: A terceirização tem sido usada como alternativa à contratação de servidores concursados, prejudicando a estabilidade e a continuidade na prestação dos serviços públicos.
- Risco de precarização do trabalho: Empresas terceirizadas frequentemente priorizam a redução de custos em detrimento da valorização dos profissionais, o que compromete diretamente a qualidade do atendimento à população.
- Aumento dos gastos com mão de obra: Contrariando o argumento de economia, a expansão da terceirização em Ipiaú tem resultado em aumento significativo dos custos. Aparentes abusos na contratação e na gestão dos contratos reforçam a necessidade de maior controle e fiscalização.
Diante desse cenário, é essencial que a sociedade e os órgãos de controle se mobilizem para exigir maior transparência na gestão da terceirização, garantindo que essa prática seja utilizada de forma criteriosa, respeitando os princípios da eficiência, economicidade e justiça social.
Os Riscos da Terceirização
No caso da Prefeitura de Ipiaú-BA, os números apontam uma alta concentração de trabalhadores terceirizados em funções como “Serviços Gerais” (183), “Agente de Portaria” (108) e “Varredores” (65) – sendo este último serviço já delegado à empresa Transloc, por meio de um contrato de limpeza urbana. Essa configuração, ampliada pelas mudanças legislativas, expõe diversos riscos que merecem atenção:
- Falta de comprovação da necessidade e eficiência
A grande quantidade de profissionais contratados por empresas terceirizadas levanta dúvidas sobre a real demanda por esses serviços, sobretudo quando comparada ao quadro interno de servidores efetivos já existente. - Riscos trabalhistas e previdenciários
Sem uma fiscalização rigorosa, há o risco de que empresas terceirizadas deixem de cumprir obrigações trabalhistas, como o pagamento de salários, FGTS e contribuições previdenciárias. Nesses casos, a Prefeitura pode ser responsabilizada de forma subsidiária, conforme previsto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. - Possibilidade de superfaturamento e fraudes
A ampliação da permissividade na terceirização abre brechas para irregularidades, como contratos superfaturados ou serviços entregues de forma desproporcional ao valor pago. - Prejuízo à população
O aumento descontrolado e sem planejamento das terceirizações pode comprometer recursos públicos que deveriam ser direcionados a áreas prioritárias, como saúde, educação e infraestrutura.
Terceirização: Oportunidade ou Armadilha?
As mudanças legislativas que flexibilizaram as regras de terceirização tinham como objetivo facilitar a gestão de pessoal e atender demandas específicas de maneira mais ágil. No entanto, o exemplo de Ipiaú-BA revela como a ampliação indiscriminada dessa prática pode se transformar em uma armadilha.
A falta de critérios claros, somada à ausência de uma fiscalização eficaz, compromete não apenas a eficiência da administração pública, mas também a confiança da população na gestão responsável dos recursos públicos. Para evitar que a terceirização se torne sinônimo de precarização e descontrole, é essencial estabelecer mecanismos que garantam transparência, planejamento e um controle efetivo dos contratos firmados.
O Que Fazer para Evitar Abusos e Riscos ao Erário?
Para mitigar os riscos associados à terceirização no serviço público, é essencial que os gestores públicos adotem medidas rigorosas de controle e planejamento. Algumas ações indispensáveis incluem:
- Definir critérios objetivos para contratações terceirizadas
- Justificar a necessidade da terceirização com base em estudos técnicos e demandas reais, evitando contratações desnecessárias ou desproporcionais.
- Exigir transparência das empresas fornecedoras
- Fiscalizar mensalmente documentos como folhas de pagamento, guias de recolhimento de FGTS e INSS, além de relatórios detalhados sobre os serviços efetivamente prestados.
- Promover auditorias regulares
- Realizar auditorias internas e externas para verificar a conformidade e a execução dos contratos, identificando e corrigindo possíveis irregularidades.
- Equilibrar o uso de servidores concursados e terceirizados
- Priorizar a realização de concursos públicos para funções essenciais e permanentes, reduzindo a dependência de contratações terceirizadas e garantindo maior estabilidade na prestação de serviços.
A flexibilização das regras de terceirização no serviço público trouxe oportunidades de maior agilidade na gestão, mas também ampliou significativamente os riscos de abusos, desperdício de recursos e precarização das condições de trabalho.
O caso da Prefeitura de Ipiaú-BA deve servir como um alerta para outras administrações públicas. Apenas por meio de transparência, planejamento estratégico e fiscalização efetiva será possível garantir que a terceirização seja utilizada de forma responsável, sem prejudicar os cofres públicos ou comprometer a qualidade dos serviços prestados à população.
No papel de órgão fiscalizador, cabe em primeiro, a Câmara Municipal cobrar do executivo, as devidas demonstrações, não apenas das reais necessidades dessa terceirização de última hora (sem planejamento prévio justificado), como também a documentação comprobatória, tanto da qualidade dessa mão de obra, quanto da quantidade efetivamente entregue, para que, quanto e quanto?