O estudante de 14 anos que matou três colegas e depois tirou a própria vida em uma escola de Heliópolis, no interior da Bahia, era um aluno sociável e participativo, sem nenhum registro disciplinar, além de bom desempenho acadêmico, diz a diretora da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental D Pedro I, Jinelma Maria dos Santos. Já o professor de Matemática da instituição descreve o aluno como alguém mais “na dele”.
Questionada se havia algum tipo de reclamação ou problema registrado em relação ao aluno, ela não hesita. “Pelo contrário. Era um menino bem sociável, um estudante participativo, gostava de criar, de teatro. Mês de junho mesmo ele criou um casamento caipira, ele que sugeriu, tinha notas boas. Um menino bem tranquilo, até então”, diz Jinelma. A turma de nono ano tinha dez alunos e o atirador era próximo dos três estudantes que matou. “Eram todos amigos”, diz. “A gente nunca imaginava”.
O crime aconteceu por volta das 16h30 de ontem, durante uma aula de Artes da escola, que fica na zona rural, no povoado de Serra dos Correias. Além da professora, nove alunos estavam na sala – uma estudante está em licença-maternidade. “Estavam fazendo atividade e de repente ele sacou a arma da bolsa e começou a atirar para cima, aí começou todo o terror”, diz.
O aluno aparentemente não tinha um alvo preferencial. Os estudantes correram para tentar se salvar, mas três foram baleados e não resistiram – eles foram identificados como Adriele Vitoria Silva Ferreira, Fernanda Sousa Gama e Jonathan Gama dos Santos, todos de 15 anos. O atirador depois atirou contra si mesmo na mesma sala de aula.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado e a Polícia Militar levou cerca de meia hora para chegar ao local do massacre, mas a essa altura já não havia mais o que ser feito. A área foi isolada e a arma e munições foram apreendidas. A polícia agora investiga como o adolescente conseguiu o revólver usado no crime.
A diretora descreve o local como um povoado tranquilo. O clima na escola sempre foi bom e as famílias, predominantemente de agricultores, se conhecem. “Uma escola bem pacífica, alunos sem questão de agressão física, acolhedores. Questão de bullying a gente não tinha muito índice, no início do ano teve uma questão já resolvida no sexto ano, mas nessa turma, não tinha nada”, acrescenta a gestora.
Cerca de uma hora antes do crime, a diretora viu o atirador no intervalo. “Ele foi comprar o lanche dele. Aparentava normalidade”. Nada indicava o que estava para acontecer. O estudante morava no povoado com os pais. Ele tinha uma irmã, que vive em São Paulo.
Professora há 20 anos e diretora da unidade há três, Jinelma diz que toda comunidade escolar e da cidade, que tem cerca de 12 mil habitantes, está abalada com o crime. A escola deve ficar sem funcionar por pelo menos oito dias, enquanto a direção prepara um plano de acolhimento para o retorno.
“Acho que psicologicamente tem que dar um tempo. A gente tem que sentar, preparar um planejamento de acolhimento, principalmente dos alunos que estavam lá. Acolhimento com psicólogo, com grupo de assistente social, cuidar da saúde mental”, diz Jinelma, que nunca em sua carreira passou por episódio parecido. “É um desafio a superar”.
Os corpos dos quatro adolescentes foram encaminhados ao Departamento de Polícia Técnica (DPT) de Euclides da Cunha e ainda não há uma definição sobre o enterro. O desejo é que seja realizado um velório conjunto, mas as famílias ainda vão decidir.
“Na dele”
A visão da diretora é diferente do que narra o professor José Magnoélio Silva, que ensina matemática na escola. Atualmente em licença até dezembro, ele não estava na escola ontem, mas conhecia todos os alunos envolvidos – tanto as vítimas quanto o atirador.
“Todos bem estudiosos, alunos exemplares, frequentavam escola, não davam trabalho a professor, tiravam nota boa. Os que foram assassinados eram destaques da sala”, diz José Magnoélio. O atirador é descrito por ele como “um cara fechado, que não conversava muito, era na dele. Só falava quando a gente perguntava. Não era muito de interagir”, diz.
Na percepção do professor, o adolescente não era próximo dos três alunos que matou, mas também não tinha inimizades com eles. “Ele não tinha muitas amizades, não tinha chamego com ninguém. Ele tinha uma namoradinha, mas já tinha terminado. Tinha amizade com um ou dois, mas não tinha vínculo de proximidade (com os alunos que matou). (Mas) Não era inimigo, nunca falou com raiva um do outro, nunca presenciei bate boca na sala, nem no intervalo”, explica. Para ele, era difícil fazer o estudante sorrir. “Era um aluno que não tinha problemas de disciplina, nem briga. Comportado, frequentava as aulas, fazia deveres e as aulas. Se falasse com ele respondia, se tentasse tirar sorriso dele, às vezes que um sorriso maroto, discreto”, conta o professor.
José Magnoélio conta que um veículo sprinter busca professores e alunos que não moram no povoado onde fica a escola. “Ele nunca ia sentado com a gente, ia sempre em pé. A gente pegava ele no meio do caminho, era difícil de sentar, só quando tinha uma vaga na frente, que não tinha jeito”, lembra.
O clima na cidade está péssimo, acrescenta o professor. “Todo mundo chocado. A gente nunca imagina que uma cidade com 12 mil habitantes vai acontecer uma tragédia dessa”. (Correio 24h)