Enquanto aguardam uma possível indenização, Raiane e outras vítimas da enchente de 2022 passaram a receber em dinheiro o aluguel social, benefício pago pelo município a pedido da DPE/BA
Uma mãe, uma criança e uma cadeira de rodas puxadas em um bote inflável: a cena do resgate de Raiane Galvão e sua filha comoveu a população durante as enchentes que ocorreram em Ipiaú, em dezembro de 2022, um dia após o feriado do Natal. A jovem de 27 anos, estudante de Nutrição e pessoa com deficiência (PcD), precisou ser retirada da casa de sua mãe, que ela estava visitando com a família, após o aumento repentino do volume do Rio de Contas e do Rio da Água Branca, por causa das chuvas na região.
Se a enxurrada causou medo em quem tem plenas condições de mobilidade, a sensação foi de pânico para a jovem, que tem limitações motoras desde 2018, por causa de uma lesão na medula. “Foi de repente que a água começou a subir pelos bueiros e esgotos da residência. Chegou muito rápido, em questão de 20 minutos a rua já estava toda cheia”, conta Raiane, que assistiu seu esposo e sua mãe ajudarem a resgatar outras pessoas que moravam na parte mais baixa da rua, que já estava com quase um metro de profundidade de inundação.
Para ela, foi uma aflição ver a rapidez com que o nível da água aumentava. “A gente não sabia até que nível a água ia subir. E eu estava com a minha bebê. Estava desesperada: ‘vamos morrer…”, desabafou. Passado o susto com o iminente risco à vida, a realidade que veio à tona foi a social. Embora morasse em um bairro um pouco mais elevado que o da sua mãe, Raiane temia pela sua residência, que ela tinha adaptado para ter acessibilidade e facilitar seu dia a dia.
“A casa onde eu morava era recém-reformada, toda adaptada para mim. Tive que me readaptar em uma casa alugada, que não é acessível, que tem um batente que dificulta a locomoção. Perdi o quartinho da minha bebê, guarda-roupa, cama, berço, fogão, geladeira, máquina de lavar… Até hoje, um ano e meio depois, não consegui comprar o que perdi ”, lamenta.
“Agora eu estou morando na rua da minha mãe, para ficar mais próximo a ela. Só que a gente viveu um trauma… Qualquer chuvinha, a gente fica ansiosa. Depois da enchente, eu tive que passar por psicólogo, terapia, fiquei em Salvador por um período e todas as vezes que eu via no noticiário que aqui estava chovendo eu entrava em pânico, por medo de perder o pouco que restou. Conseguimos salvar roupas, documentos, mas perdemos todo o resto”, conta.
Engajada socialmente, Raiane não só buscou a Defensoria para assegurar seu direito a ter uma reparação pelas perdas como também incentivou outras pessoas a procurarem a instituição.
Assim como centenas de ipiauenses, Raiane perdeu diversos móveis e eletrodomésticos, como cama, guarda-roupa, máquina de lavar, geladeira, entre outros. Possibilidade de novas enchentes impedem-na de retornar ao lar
Auxílio para vítimas de enchente
Uma vitória em meio a muitas lutas
Após um ano representando o direito de centenas de pessoas afetadas pela enchente em Ipiaú, a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) conseguiu que fosse pago em pecúnia o aluguel social – benefício concedido pelo município para alocar pessoas em situação de desamparo. Embora já estivessem habilitadas para receber o auxílio, vítimas que tiveram prejuízos com as enchentes tinham dificuldades de encontrar imóveis disponíveis, que se enquadrassem nos requisitos para locação por parte do Município.
“A Defensoria buscou efetivar o aluguel social, estávamos com muita dificuldade, porque várias famílias estavam cadastradas, mas não encontravam casas regularizadas em Ipiaú e no valor do aluguel social”, destaca a defensora Maíra Miranda Fatorelli, que atua na cidade.
De acordo com ela, em regra, a prefeitura faz a contratação do aluguel com imóveis que estejam com todos os documentos em dia e dentro do orçamento previsto pela prefeitura. “Há várias famílias habilitadas, mas, na prática, muitas não recebem. Conseguimos que fosse efetivado o aluguel social diretamente em dinheiro para que elas mesmas pudessem fazer a contratação da locação”, explica.
O valor do auxílio é de R$ 300 reais, o que dificulta encontrar imóveis apropriados. Grande parte dos beneficiados usam o valor para complementar o aluguel, como é o caso de Raiane, em que o valor cobre cerca de 40% da locação. “É insuficiente, mas já ajuda muito”, comenta ela, que está economizando para ter de volta seus bens.
Virou lei
A defensora Maíra Fatorelli lembra ainda de uma atuação articulada pela Defensoria na cidade para que o aluguel social estivesse previsto em lei. “A lei de benefícios eventuais do município de Ipiaú não dava essa permissão, então precisou de uma lei específica, que foi aprovada em setembro de 2023″.
Foram realizadas diversas reuniões com a Procuradoria do Município de Ipiaú e a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, que resultaram na aprovação da Lei Municipal nº 2.535, que visa amparar as pessoas afetadas pelas enchentes de dezembro de 2021 e dezembro de 2022, que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Inicialmente, a prioridade de amparo da lei são famílias que ainda se encontram em abrigos provisórios e áreas de risco. Até o momento, sete famílias tiveram o benefício efetivado.
Mutirão de atendimentos a vítimas de enchentes em Ipiaú atendeu a mais de 1200 pessoas em 2023
Em 2023, as unidades da Defensoria em Jequié e Ipiaú realizaram um mutirão, em conjunto com a Unidade Móvel de Atendimento (UMA), que realizou 1.211 atendimentos e orientou as famílias afetadas pela enchente . Na ocasião, a instituição habilitou essas pessoas em uma Ação Civil Pública (ACP), que tinha como um dos objetivos indenizar as famílias afetadas.
“Habilitamos na Ação Civil Pública três grupos de pessoas afetadas, as que perderam a casa e todos os pertences, as que perderam apenas alguns bens móveis e/ou tiveram danos específicos na residência, e os comerciantes que tiveram seus comércios afetados”, comenta Maíra.
No momento, a ACP com pedido de indenização ainda está pendente de apreciação judicial. Enquanto aguarda decisão, a Defensoria continua auxiliando as vítimas, buscando a garantia do direito à moradia digna.
Espera
Raiane e outras vítimas aguardam um desfecho. Já não é possível morar na sua casa acessível, na Praça do Cruzeiro, em Ipiaú. Contudo, com o valor de uma possível indenização, ela ainda pensa em futuramente reformar a casa para retornar ao lar. Quando perguntada se não tinha medo de voltar ao local e haver uma nova cheia, ela admite: “Já pensei em morar em um lugar mais alto. Se Deus abençoar e sair uma indenização, comprar uma casinha simples longe daqui… Seria ótimo”, ponderou.
“Tô reconstruindo, com muito muito esforço. Mas o mais importante é que a gente não perdeu a vida, né? É muito difícil, mas tem que agradecer. Eu confio muito na Defensoria e creio que vamos conseguir [a indenização]”, conclui a futura nutricionista.
Assessoria de Comunicação – DPE/BA/ Lucas Fernandes